A cura da hepatite C melhora o estigma e qualidade de vida dos pacientes – A Voz do Paciente

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Varaldo, C.N.(1); Postigo, V.M.C.(2); Yazeji T. (3)
(1) Presidente do Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite, RJ/Brasil; (2) Mestre em Psicologia, Doutora em Teoria Psicanalítica, RJ/Brasil; (3) Especialista em saúde mental e psicanálise pela UFF-RJ/Brasil.

Dados preliminares de enquete entre infectados com hepatite C e, com pacientes curados da hepatite C após tratamento com os medicamentos de ação direta (DAA), teve como objetivo principal avaliar a percepção do paciente e as expectativas dos infectados antes do tratamento, avaliando se as mesmas confirmam ao conseguir curar a doença, em especial analisando o estigma e a qualidade de vida.

Foram entrevistados 1.202 infectados com hepatite C, e / ou já curados, em países de língua portuguesa e espanhola, respondendo diversas questões divididas em quatro blocos temáticos. As entrevistas foram realizadas eletronicamente utilizando o sistema de pesquisas “SurveyMonkey“. A participação foi voluntária e anônima, sem nenhum tipo de identificação ou fornecimento de dados pessoais, mas cada participante obrigatoriamente deveria aceitar um termo de consentimento eletrônico para poder participar. O software aceita somente uma participação por máquina, bloqueando o IP do computador após a participação.

Dos 1.202 participantes, 616 ainda se encontravam infectados com hepatite C no momento da entrevista e 586 já estavam curados após um tratamento com os medicamentos de ação direta (DAA) livres de interferon.

Para os 616 infectados que ainda se encontravam com hepatite C o primeiro bloco incluía 11 perguntas sobre a quem o infectado tinha informado da sua condição de saúde; num segundo bloco com as mesmas 11 questões era perguntado se após o tratamento, o paciente pretendia contar que tinha tido hepatite C e agora estava curado; no terceiro bloco os entrevistados eram induzidos a mostrar as 18 expectativas que a cura poderá ocasionar na vida pessoal e; no quarto bloco eram solicitadas respostas a 8 questões sobre as atitudes pessoais que poderiam melhorar ao obter a cura da hepatite C.

Os mesmos quatro blocos de questões, na mesma ordem das perguntas, foram solicitados para responder a 586 pacientes que tendo realizado o tratamento já estavam curados da hepatite C, objetivando o cruzamento das repostas entre as expectativas antes do tratamento e quais delas se confirmaram.

Dados preliminares mostram que:

(1) – Aumentou em 13% os que contaram da sua infecção a seu conjugue, chegando a 58% dos pacientes curados.

(2) – Aumentou em 31% os que contaram aos amigos após ter conseguido a cura.

(3) – Aumentou em 45% os que contaram aos colegas de trabalho após ter conseguido a cura.

(4) – Aumentou em 51% os que contaram a chefia de RH do trabalho após ter conseguido a cura.

(5) – Aumentou em 16% os que sentiam maior confiança pessoal ao conseguir a cura.

(6) – Chegou a 78% nos pacientes curados os que responderam que a autoimagem melhorou com a cura da hepatite C.

(7) – 82% dos pacientes curados responderam a que a saúde tinha melhorado após o tratamento.

(8) – Chegou a 61% os que relatam estar mais alegres a após a cura.

(9) – 53% dos pacientes curados relatam sentir maior felicidade.

(10) – 58% dos pacientes curados realizam atividades físicas, mas o percentual é menor que as expectativas antes da cura, quando 86% acreditavam que realizariam mais atividades físicas.

(11) – 47% relatam ter melhorado a atividade sexual após a cura, mas o percentual é menor que as expectativas antes da cura, quando 68% acreditavam que teriam melhor desempenho sexual.

(12) – 76% acreditavam que a vida familiar teria sensível melhoria após a cura, percentual que se confirma nas respostas dos pacientes curados.

(13) – Dos 75% que acreditavam que a cura proporcionaria uma vida social mais ativa, a maioria dos curados confirmou a expectativa.

(14) – A expectativa de uma melhoria na aparência física, que era de 63% entre os que estavam infectados foi confirmada após a cura.

DADOS POSITIVOS

Os 14 dados positivos avaliados acima mostram que existe uma considerável melhora na confiança do paciente e no estigma, passando a contar com maior naturalidade que passou por uma situação de saúde complicada e conseguiu superar a mesma com o tratamento, resultando curado e não escondendo mais a doença.

EXPECTATIVAS NÃO CONFIRMADAS NA SUA TOTALIDADE

As expectativas relacionadas a melhorias na vida pessoal que poderiam ser obtidas com a cura da hepatite C, são provavelmente exageradas no imaginário do paciente, causadas pela ansiedade e temor que uma doença pouco conhecida e pouco divulgada provoca. Algumas das expectativas não se confirma na sua totalidade ao se conseguir a cura da hepatite C.

Entre os que responderam que acreditavam que com a cura da hepatite C aumentaria a sensação de bem-estar, que aumentaria a força física e sentiriam menor cansaço, que acreditavam que conseguiriam maior disposição e maior qualidade de vida, que passariam a ter menor solidão e, menor ansiedade. Tais melhorias esperadas por entre 50% e 70% dos infectados que responderam e, após a cura resultou em um percentual 20% menor das expectativas dessas melhorias.

Não é um resultado frustrante para os pacientes ao se considerar que a maioria dos infectados são pessoas adultas ou idosas.

Cada bloco de perguntas tinha espaço para os entrevistados expressarem livremente em texto suas colocações e ao se analisar as colocações se observa que muitos colocam na hepatite C a culpa por todos os problemas de saúde pelos quais estão passando, sem considerar que questões como cansaço, disposição, força física, ansiedade e solidão, entre outras, são condições comuns a várias outras doenças e, devendo se considerar ainda que pessoas adultas e idosas em geral são acometidas de várias condições clínicas, as mais diversas e, que não será a cura da hepatite C que vai sanar todas elas.

DISCUSSÃO

O resultado apresenta importante material para avaliação da ressignificação do estigma como uma das representações da hepatite no imaginário do doente e sua crescente dissolução depois do tratamento. Se o paciente acreditava que até então possuía uma doença crônica e incurável que afetava e prejudicava a sua autoestima e autoimagem, a partir do tratamento que transforma não somente a saúde física, mas também a autoestima do paciente pudemos constatar um resgate de seu amor próprio e de uma perspectiva mais feliz de sua vida interpessoal.

A experiência de saúde e de doença afeta diretamente não somente a vida como também a identidade pessoal do doente crônico. No caso especifico do tratamento de hepatite C, as inovações tecnológicas que permitiram uma revolução no tratamento, que agora tem cura, mobilizam também uma transformação na identidade do doente, até então impregnada pela autoimagem do estigma da doença como vimos em representativa amostra dos questionários.

A doença crônica de maneira geral possui o aspecto social e o aspecto individual, ou seja, a representação que a doença vai ter na sociedade e aquela que cada pessoa infectada faz de sua doença em relação a sua história de vida, recursos materiais, pessoais e psíquicos.

E pudemos observar também como a doença crônica assume na vida do paciente o suporte e causa de sofrimentos e frustrações diversos, não necessariamente ligados à sua patologia. Desta maneira ocorre também que com a cura da doença crônica frequentemente o paciente se depara com problemas psicológicos e fisiológicos que eram até então erroneamente computados a doença, obrigando o sujeito a uma revisão de crenças e práticas sobre si mesmo.

A confiança e a autoestima são parte crescente do cotidiano do paciente que curou sua hepatite C, mas essas mudanças também afetam suas representações e crenças sobre a sua vida física e emocional. Por um lado, se encontram cada vez mais confiantes em partilhar uma informação que até então preservavam que era contar sobre a sua doença crônica e por outro lado reconstruindo sua autoimagem e suas relações interpessoais reaprendendo sobre as conquistas e limites de seu tratamento, ajustando as expectativas com a realidade de um ex paciente hepático, mas um eventual paciente de um corpo que ainda padece de sofrimentos outros.

Este artigo foi redigido com comentários e interpretação pessoal de seu autor, tomando como base a seguinte fonte:
Enquete realizada pelo Grupo Otimismo no segundo semestre de 2016 – Contato pelo e-mail hepato@hepato.com

 

Carlos Varaldo
www.hepato.com
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