O papel da sociedade civil no apoio e implementação do diagnóstico e tratamento da hepatite no Brasil

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Apresentação feita na Guatemala – 19-21 de novembro de 2018 n Reunião Regional de Coordenadores de Programas de Hepatites, HIV (aids), ITS e Tuberculoses organizada pela OPAS – Organização Pan-americana da Saúde e OMS – Organização Mundial da Saúde


Na minha fala coloquei o exemplo do Brasil, onde a sociedade civil foi quem começou os testes de diagnóstico para hepatite C em 2003, poucos meses antes de o governo criar o Programa Nacional de Hepatites. Era uma maneira cômica, a Sociedade de Hepatologia realizava no Rio de Janeiro o Congresso Nacional, pedimos se poderíamos participar como ouvintes e negaram nossa solicitação, por isso, decidimos atacá-los, conseguimos com um laboratório de análises clínicas a realização de testes anti-HCV e colocamos estrategicamente uma ambulância na porta do congresso, com uma placa que dizia testes gratuitos para hepatite C.

No Brasil se fala que “de graça até injeção na veia”. Durante os três dias do congresso uma longa fila de pessoas foi formada e os jornais e TVs mostrava a inédita iniciativa, mostrando somente nosso trabalho. Não entrevistaram os médicos do congresso. Deu resultado, dois anos depois a Sociedade de Hepatologia nos convidou para um novo congresso e até nos deu uma barraca gratuitamente. Até hoje trabalhamos de mãos dadas com as sociedades de hepatologia e de infectologia, com as quais realizamos trabalhos conjuntos.

Em testes rápidos, foi a sociedade civil em 2006 quando o Grupo Otimismo realizou os primeiros testes rápidos para HCV, antes de qualquer ação do Programa Nacional de Hepatites.

A sociedade civil venceu!

Vencemos, porque é atualmente o Departamento ITS/HIV/Hepatites que realiza em grande escala, em todas as unidades do SUS do Brasil testes rápidos. Foram 4 milhões em 2017 e uma estimativa de 8 milhões em 2018, por isso para a sociedade civil já não tem maior significado realizar campanhas de testes rápidos em shoppings ou praças, fora do Dia Mundial da Hepatite, quando se trabalha de forma conjunta com os programas municipais e estaduais. A missão da sociedade civil de incentivar o diagnóstico foi cumprida com sucesso, obtivemos nosso objetivo, o sistema de saúde pública passou a realizar testes em todo o país e agora a sociedade civil tem novos desafios a enfrentar.

Em relação aos tratamentos para as pessoas infectadas a sociedade civil luta por tratamentos com medicamentos modernos e a maior quantidade de centros de tratamento para hepatite no Brasil. Com a simplificação do tratamento usando medicamentos pan-genótipos, nosso objetivo atual é levar assistência médica aos lugares mais remotos do interior, de modo que os médicos de outras especialidades e clínicos gerais possam tratar os infectados, mas estamos conscientes de que não é o papel da sociedade civil tratar os infectados.

É por isso que vamos falar sobre como estamos atualmente no Brasil e qual é a situação que estamos vivenciando.

O Brasil é um exemplo para os países em desenvolvimento com seu programa de hepatite, mas nos últimos dois anos retrocedemos na oferta de tratamentos.

Em 2016 foram realizados 36.600 tratamentos para a hepatite C, caindo para 26.000 em 2017 e apenas 12.000 agora em 2018, quando a promessa para 2018, apresentado na Summit e em vários eventos era de 50.000 tratamentos.

Devo explicar que o problema pela queda dos tratamentos não é apenas no Departamento de ITS/HIV/Hepatites sendo outra área do Ministério da Saúde a responsável pela compra de medicamentos. Observamos que acontecem manobras muito estranhas, acho que o Departamento de ITS/HIV/Hepatites tem parte da culpa, já que não se posiciona publicamente sobre a falta de medicamentos, deveria vir oficialmente explicar aos infectados o que está acontecendo com a compra, por isso é logico que as pessoas infectadas, que estão sofrendo desde fevereiro sem medicamentos para hepatite C coloquem a culpa no Departamento de ITS/HIV/Hepatites. Assim, em defesa das pessoas infectadas é a sociedade civil, através do Grupo Otimismo quem está denunciando publicamente o que está acontecendo.

A falta de medicação parece ter sido ocasionada para, tal vez, poder realizar compras de emergência, talvez, para favorecer um sofosbuvir genérico. Mas tudo acontecendo de forma muito estranha.

No mês de julho foi solicitada cotação para um total de 50.000 tratamentos, inteligentemente separando cotação para genótipo 1 por representar 75% dos tratamentos que podem ser tratados com Zepatier e Harvoni.

O Zepatier ofereceu tratamento de 12 semanas, por US $ 1.023 contra o sofosbuvir genérico/daclatasvir oferecendo tratamento de 12 semanas por US $ 1.331, mas, surpreendentemente, então, o Zepatier foi eliminado alegando o ministério que tal medicação só serve para genótipo 1, informando que passaria a se trabalhar apenas com os pan-genótipos sofosbuvir/daclatasvir, Epclusa e Maviret, o que realmente é lógico, já que a OPAS e a OMS recomendam que se existe a possibilidade de oferecer tratamentos usando apenas pan-genótipos isso simplifica a logística e beneficia os pacientes. Mas então, por que eles solicitaram uma cotação do Zepatier se depois parece que levaram um susto com o resultado? Alguém imagina o que está por trás disso nos corredores do ministério?

O Grupo Otimismo, levou o problema para os meios de comunicação e ao Tribunal de Contas da União e tudo parou.

Depois de várias voltas, agora no dia 27 estão chamando para comprar 13.000 tratamentos com sofosbuvir/daclatasvir, sem explicar por que não chamam todos os medicamentos, seria o mais lógico, porque com um volume maior é possível obter um preço mais baixo e, prometem que em dezembro farão uma nova chamada de preços, ou pregão, com todos os medicamentos para talvez 50.000 tratamentos para 2019. Dá para entender ou imaginar se existe alguma manobra agora?

Como sociedade civil, continuaremos a controlar e fiscalizar e já advertimos publicamente que, se houver alguma manobra estranha, estaremos comunicando ao Ministério Público Federal, atitude que já me custou uma ameaça anônima. Mas, como sociedade civil, é nossa função realizar o controle social defendendo os pacientes e para que o ministério da saúde compre o tratamento mais barato, que pode ser genérico ou de marca.

O Grupo Otimismo realizou recentemente um estudo para verificar se o acesso ao tratamento acontece de forma igual em todos os estados, mas o resultado mostra que é muito desigual, com grande desigualdade social em vários estados.

Comparamos a população de cada estado com os tratamentos de hepatite C realizados em 2017 e, como resultado, descobrimos que no estado de Rio Grande do Sul um de cada 2.347 habitantes recebeu tratamento, enquanto em sete outros estados apenas um infectado com hepatite C a cada quarenta mil habitantes recebeu tratamento. Em 2010 realizamos o mesmo estudo e em sete anos a situação de desigualdade pouco mudou. (http://www.hepato.com/2018/11/tratamientos-para-hepatitis-c-realizados-en-2017-y-2010-comparativo-estado-por-estado-provincia-de-brasil/)

Parece que há vários brasils que formam o Brasil, confirmando o dito popular que diz que poderíamos nos chamar de Belindia, porque em alguns estados há uma organização tipo Bélgica e em outros nos parecemos com a Índia.

Quando falamos em congressos internacionais sobre o enfrentamento da hepatite C, levantamos a voz e enchemos o peito, já que temos muito a mostrar e sabemos que o retrocesso que estamos passando nos últimos dois anos pode ser recuperado com uma séria administração no Ministério da Saúde, mas quando a questão é hepatite B preferimos manter a boca fechada e sair de fininho da roda da conversa.

Estima-se que o número de infectados com hepatite B no Brasil é semelhante aos infectados pelo HIV, aproximadamente 800.000 em cada uma, mas se estamos muito bem no HIV, já que tratamos com medicamentos antirretrovirais 670.000 infectados, na hepatite B apenas 28.000 estão em tratamento e, portanto, peço desculpas por não chorar em público é melhor eu ficar em silêncio e, finalizar aqui com a triste hepatite B minha apresentação.

Muito obrigado.

Carlos Varaldo
www.hepato.com
hepato@hepato.com

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